Invernia

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Descrição

Sempre afinado

Rossyr Berny,

do que me lembro, de teus livros, este é o mais maduro. Talvez o mais completamente maduro, o mais extensamente maduro. Encontro aqui versos que eu assinaria, quem sabe poemas que eu assinaria (não tomes isto como imodéstia).

O tema do inverno é poemático “do primeiro ao quinto”. Teu inverno se assume direitinho. Está muito bom. Não tem neve demais, não é cartão-postal, não se senta, velhinho e branquinho, na cadeira de balanço do romantismo “à outrance”, a tremer e tiritar. Mas, em compensação, por vezes vestes a capa do pobre, que dizes demasiada rota, e constróis a tua casita, que dizes de papelão, e clamas um protesto que eu diria “de partido”, o que deixa, a mim, um pouco trêmulo.

Eia, pois, ao teu inverno.

Bonito, lindo o verbo “gea”, em Guerrilha hibernal. Como estás conduzindo bem os substantivos, em sequência dana e “mixegenada”, sem a menor vírgula, à bela moda do grande Sérgio Millet, esse ótimo esquecido da Paulicéia Desvairada!

Em Roupagens e nudez aquele “gaúcho” poria tudo a perder (definitivamente), se não fosse a seguir, e surpreendentemente, secundado de “carioca, nordestino, siberiano” (as vírgulas são minhas). Que susto! Quando o li, pensei: pronto — agora vem a sequência fatal — o pago, o pingo, a pinga, a china, o rancho, e todos os demais personagens abomináveis desse circo de horrores estereotípicos.

Em O ninho onde dormem o sol e a noite (os títulos dos poemas deste livro estão uma beleza), acho que gosto de “Mãos e mães colonas”, “aquecida de carinho” (bem colocadinho), “já ninou o sol em ninho de nuvens”. Que bonito isto! E que bonito “Põe a noite a dormir no feno do galpão”. O “feno do galpão” (nota os sons) fica escoimado da pataria do mercantilismo gauchesco em busca do sucesso gaiteiro do bolicho literário fronteirista, pseudofronteirista ou meramente caipira do “tchê” e das demais atitudes (às vezes para inglês ver) de bombacha, bota e espora.

         O relâmpago que antecedeu o temporal é um poema belíssimo, tão belo que nele se perdoa até (ou, nem se perdoa, ama-se) o que há de prosaico na sexta estrofe. Tudo nesse poema está bem colocado. Estás atingindo a maioridade.

         Tragédia hibernal. Que interessante “Outros têm um coração em cada pata”… E seria só, propriamente, coisinhas boas, e coisinhas menos boas. Por exemplo, “A neve que se desfia do céu […] // É a lua despedaçada que morreu de frio” parece muito as antigas letras de canções de Francisco Alves, Silvio Caldas, etc.

Que bonito Desossamento e desabrigo. Que beleza aquele “acuando a Estrela D’Alva boiadeira”.

         A cotovia só canta na madrugada valeu a noite, com aquele verso fantástico: “deste suspiro que não aceita apagar-se”, mas tão simples de palavras, mas tão leve, mas tão bem posto, mas tão fino, que lembra tão lindas coisas de Manuel Bandeira, por exemplo.

Ah, que lindo aquele negócio que começa “Desmente-me a eternidade / fiando fiando sua mortalha […] // Desmente esta solidão / a alma da ovelha despida / Busca sua pele que me aquece // Esquartejada pela degola e coureio / enche esta morada seu apelo ovino / Inunda os olhos ocos dos tijolos das estantes / a lareira que nunca houve / o cesto da Chapeuzinho Vermelho no painel // O silêncio dilatado do méééé diluvia tudo // A insônia traz a culpa do abrigo quente / em troca da lã da ovelha morta”. É uma beleza! Um primor de coisa da terra, no melhor sentido! Um regionalismo que nos faz fremir de comovedora ternura, pela desamparada dignidade da inocente ovelha morta, em seu holocausto de campesina santidade. Foi o que eu senti ao ler esse poema. Senti-me na infância. Em minha velha infância, no casarão de vovô, na Rua Demétrio Ribeiro, com meus amantíssimos e santos pais, com o velho “divan” forrado de couro marrom, que depois se abriu, num ponto, e deixou ver as crinas que o estofavam, com os lindos pelegos que vinham de São Borja, e que nos acompanharam por tanto tempo! Sentir-se na infância: pode haver maior elogio?

Vamos parando por aqui, isto vai muito longe.

Rossyr Berny sabe que com Literatura não se brinca. A tentativa de INVERNIA é farta prova disso.

Que permaneça nesse tom, sempre afinado.

Porto Alegre, 25 de março de 1982

Zeferino Paulo Freitas Fagundes
Poeta, advogado e professor de Literatura

Informação adicional

Peso 2 kg
Dimensões 14 × 1 × 21 cm