Serafim de Serafim

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Descrição

Astro haragano

Existem motivos para escrever tão numerosos como folhas numa floresta, mas só um motivo é aceitável e motivador: que seja uma boa história. Isto, sim, é difícil. Ninguém sabe como nasce uma boa história. Escritores não sabem. Críticos não sabem. Especialistas menos ainda. Às vezes uma boa história cai na nossa frente como um raio, às vezes passamos uma vida toda examinando-a, apalpando-a, desconfiando, temendo, e ela estava ali, a história, paciente, esperando ser escrita.
Serafim de Serafim é o mais novo livro de Jerônimo Jardim, e ele é fruto de uma longa batalha, de uma demorada sedução, de décadas de espera, maturação e dúvidas. E isso inclui a crise estética, a filosófica e a existencial. Talvez por isso esse pequeno volume em suas mãos seja tão pesado, e tão carregado de espanto da vida, e tão cheio de ecos de livros distantes, e tão pleno da poesia do pampa e das transgressões da fronteira. Quem o leu aponta a influência de Gabriel García Marquez – inclusive o próprio Jerônimo cita o mestre colombiano – e outras influências ligadas ao realismo fantástico, e isso é correto, mas não é tudo.
Acho o livro mais próximo da atmosfera claustrofóbica de Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Mas isso também não importa. Todos os gêneros estão na Bíblia, há muitos séculos. Ninguém inventou nada de novo depois dela. O escritor de talento é aquele que dá um sabor novo aos antigos e graves temas da humanidade. Por exemplo: “Serafim é uma cidade anticonceptiva por obra de Deus”.
Dessa premissa sombria Jerônimo concebe uma metáfora luminosa, e muito mais. Ele retrata o mundo e sua frágil humanidade contando sem espalhafato (sem premura, diria Borges) um causo nosso, bem aqui de pertinho, tanto que chegamos a sentir o cheiro e o sabor de uma pequena cidade da fronteira. É nela que Silvério Santos, nosso herói, se propõe a enfrentar as vontades divina, militar, social e religiosa que imperam na pequena cidade de Serafim, onde ninguém é bem-vindo.
Para delícia do leitor, a história é narrada como um antigo conto de mistério e terror, e começa com a tradicional falha no motor do carro: Silvério Santos viajava para Bagé. Pretendia esquecer os insucessos e suportar sozinho a doença sem cura que o afligia. “Serafim, 20 Km. Se você nunca veio, não venha”, dizia a placa pouco legível, meio encoberta pela vegetação.
A partir daí o leitor está montado no rabo de um cometa. Pode ser o Halley, mas pode ser a imaginação densa e cheia de enigmas de Jerônimo Jardim, que observa as pessoas, a solidão, o pampa, a fronteira, a ditadura e as latas de cerveja no palco com a indulgência da maturidade artística. Este livro é um astro haragano e se confunde com seu autor, também um astro haragano, um artista múltiplo, cantor, poeta, compositor e escritor e que, para nosso gáudio, há décadas exerce sua arte, soberano, segundo o modelo rude e civilizado de Martín Fierro: “yo canto opinando, que es mi modo de cantar”.

Tabajara Ruas